Criada por parlamentares, em grande maioria, homens, o crime de Alienação Parental, encontra-se previsto na Lei n.º 12.318/2010. Alienação parental é a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie um dos genitores ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos.
Teoricamente, a medida deveria favorecer o bem-estar psicoemocional, em especial, das crianças, durante um processo de separação entre seus pais. Para críticos da lei, os motivos são inúmeros e envolvem desde o seu embasamento teórico até a sua má aplicação por pais e advogados irresponsáveis. Outro grande embaraço dessa lei é que ela ignora a realidade de que no Brasil a cada 11 minutos uma criança é vítima de violência sexual e que 70% dos casos, o ato é praticado dentro de sua casa. A maioria dos agressores são do sexo masculino, responsáveis por mais de 81% dos casos contra crianças de 0 a 9 anos e 86% dos casos contra adolescentes de 10 a 19 anos. E são também esses homens protegidos pela lei da alienação que obriga a criança a conviverem com eles.
“Em um país de modismos como o nosso, associado a um judiciário sucateado e sem equipes multidisciplinares aptas a lidar com casos familiares complexos, uma teoria sem fundamento como essa encontrou um campo fértil para se desenvolver”, explica a advogada Cláudia Ferreira, autora do estudo Síndrome da alienação parental, uma iníqua falácia.
A revogação da Lei da Alienação parental foi recomendada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) e por peritos da Organização das Nações Unidas (ONU) especializados em combate à violência contra mulheres e meninas. Segue em discussão no senado.
O Brasil é o único país do mundo que adotou uma legislação específica que parte deste conceito. Na época em que a lei foi votada, no entanto, não houve um amplo debate na sociedade e nem mesmo com as organizações responsáveis pelos direitos da criança e do adolescente. Mesmo assim, atualmente a alienação parental tem sido usada em disputas familiares. Há poucos levantamentos estatísticos sobre o tema, já que os processos sempre correm em segredo de justiça.
De acordo com a Ordem dos Advogados do Brasil, o número de processos por alienação parental em São Paulo cresceu 5,5%, entre 2016 e 2017, saltando de 2.241 para 2.365. Já o Conselho Nacional de Justiça diz que ao menos 5.688 processos com esse tema foram registrados no país entre 2015 e 2017.
Segundo a advogada Andreza Santana, em entrevista à revista Brasil de Fato: “quando a gente fala em alienar, a gente fala em separar algo. De tirar algo daquele lugar. Quando a gente fala da alienação parental, a gente fala – geralmente – de um sujeito ativo que retira uma criança do convívio, do estar com o outro familiar. Mas para falar de alienação parental e sobre a lei da alienação mesmo, a gente precisa ir à criação do conceito da Síndrome da Alienação Parental.
Esse conceito foi criado por um psiquiatra norte-americano, Richard Gardner. Ele era um perito judicial que defendia homens que eram acusados de abuso sexual e pedofilia no Estados Unidos. Essa Síndrome foi um conceito criado por ele para fazer a defesa em processos em que esses homens eram acusados desses crimes. Ele dizia que as crianças, que eram ali o centro da discussão, tinham falsas memórias de abuso criadas pelas mães. Então, os abusos e estupros nunca aconteciam. Essas ‘mães ressentidas’ que queriam retirar as crianças do convívio com os pais.
Foi esse conceito, a partir dessas defesas, que deu origem à lei que a gente tem. Por isso, desde a sua concepção ela é super problemática. Até porque essa Síndrome da Alienação Parental nunca foi reconhecida mesmo como uma síndrome ou como uma doença”.
De acordo com Andreza Santana, “toda criança tem o direito fundamental de conviver com ambos os pais. Isso é tão saudável para a criança quanto para os pais. É muito importante que as crianças tenham esse direito garantido, esse direito respeitado. Só que na prática dessa lei da Alienação Parental, a gente percebe que a criança é o sujeito menos pensado nesses conflitos existentes.
O que acontece são pais, geralmente, homens, que utilizam a Lei da Alienação Parental para amedrontar mulheres para reforçar o estereótipo de gênero também no judiciário. Ao mesmo tempo, a gente vê que são homens que não fazem questão de participar da vida dessas crianças. Então, quando acham um motivo, uma brecha, vem aquela questão: “Ah, eu não vou pagar pensão? Não. Então vou pedir a guarda só pra mim”. Aí traz a alienação parental como argumento.
Na prática dessa lei da Alienação Parental, a gente percebe que a criança é o sujeito menos pensado nesses conflitos existentes. O que a gente percebe são essas narrativas. Homens que usam a lei para se beneficiar. Desta forma, a lei não observa os interesses da criança e, sim, o interesse desse pai. A gente precisa entender as miudezas. Entender a criança como o centro. Se essa lei da alienação parental trouxesse a criança como eixo central, a gente não precisaria dela. A gente teria outros instrumentos, como na Constituição, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em outros locais para preservar essa criança.
A gente não pode afirmar que não existam pessoas que utilizam a criança como uma forma de atingir outras, mas isso não é a regra. Na maioria dos casos, a gente vê mulheres sobrecarregadas. Mulheres com medo. Mulheres que acabam parando a vida inteira para cuidar das crianças. Enquanto homens vão refazer as suas vidas. São pais ausentes. E quando querem, ainda se favorecem de toda uma narrativa para benefício próprio”.
Fontes pesquisadas: BBC; Fundação FEAC; ONU Brasil; UNICEF Brasil; Atlas da violência no Brasil
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