A julgar pelos escritos do filósofo alemão, morto em 1900, muitos poderiam imaginar que ele seria um crítico feroz da internet. Mas ele certamente utilizaria as redes sociais para aumentar o alcance da sua filosofia.
O fantástico da internet é que ela permite que as narrativas sobre os acontecimentos se deem em concomitância com estes – ou quase isso. Guardada as devidas proporções de tempo, nos anos 1870, Nietzsche observou essa característica dos “tempos modernos”, referindo-se especialmente aos jornais. Ele comentou que nem bem uma guerra havia produzido seus primeiros mortos e os cadáveres apareciam nos jornais como história. E lembrou, é claro que em forma de chiste, que os periódicos não poderiam dizer a verdade porque eles sempre tinham mais ou menos o mesmo número de páginas, ao passo que o número de acontecimentos sempre estaria variando. Nietzsche escreve isso em aforismos e, também, em um texto que os scholarsqualificam como de “juventude”, uma das Extemporâneas.
É claro que, com algum bom-senso, podemos dizer que vivemos hoje esse mundo denunciado por Nietzsche. Quem duvidaria disso? No entanto, nosso filósofo, uma vez aqui hoje, não deixaria de ter seu Facebook, seu Twitter e seu blog. Para um intelectual como Nietzsche, predisposto aos escritos aforismáticos e a certo gosto pelas metáforas, pela alusão às imagens, esses instrumento não ficariam encostados. Nietzsche foi um conservador, é claro, mas não um passadista tolo. Ele tinha lá sua máquina de escrever e, de algum modo, achava que deveria dispensá-la em favor da escrita cursiva. Sem dúvida, Nietzsche, hoje, estaria longe de ter de se educar em programas governamentais de “inclusão digital”, que abocanharam vários professores universitários no Brasil. Mas, vivo hoje, ele saberia muito bem que aquilo que foi denunciado por ele há mais de um século, agora, é antes a regra para todos, e não apenas um clima posto somente entre as elites informadas. Mais que qualquer pessoa, ele entenderia a fundo a natureza de nossa época.
Nietzsche foi o filósofo que mostrou como poderia ser a forma das imagens desse nosso tempo. E com um detalhe, em nosso tempo, às vezes a forma faz o conteúdo! Marx tinha certeza que a modernização continuaria a fazer as coisas mais sólidas se desmancharem no ar. Nietzsche intuiu que cada etapa dessas coisas sólidas, uma vez se desmanchando no ar, seria notícia em cada celular.
Nietzsche na Internet
“Alguns homens nascem póstumos”, escreveu Friedrich Nietzsche. Realmente, sua obra perpetuou-se de diversas maneiras. Ele morreu em 1900, mas o culto a sua biografia e ideias está mais vivo do que nunca. Em tempos de internet e redes sociais, o filósofo de Röcken aparece em comunidades de Orkut e do Facebook, em citações em site e blogs. Em uma consulta no Google a palavra Nietzsche foi encontrada em quase 25 milhões de resultados. E tudo isso sem contar com os recorrentes erros de grafia (Nietzche, Nietsche ac.). Aliás, os aforismos nietzschianos parecem feitos sob medida para o Twitter. Há ao menos quatro perfis dedicados a ele (@frasesNietzsche, @NietzscheQuotes, @TinyNietzsche e @Nietzsche_f).
Fonte: Nietzsche vol.II, Editora Escala, Edição 2, páginas 90 a 95. Autor: Paulo Guiraldelli Jr. (guiraldelli.pro.br)