Completaram-se 14 anos desde que a jornalista e escritora Barbara Gancia tomou a saideira. Foi a caminho de uma clínica para dependentes, nos arredores de São Paulo. Levada por uma amiga, quando já estava no limite do alcoolismo, ela foi parando de bar em bar, de padaria em padaria, de boteco em boteco, para beber a derradeira, até chegar, “torta”, à clínica. Não foi a primeira internação e nem o primeiro tratamento que ela se propôs a fazer para se livrar do vício pelo álcool, parceiro de mais de 30 anos de histórias e muita “ressaca moral”, como ela mesma diz. Mas foi a última. Apesar disso, sabe que seu problema é vitalício. “Curada eu sei que não estou”.
Barbara Gancia conta algumas de suas experiências como o alcoolismo no livro A saideira – Uma dose de esperança depois de anos lutando contra a dependência (Editora Planeta). Algumas, porque nem todas ela se lembra. “Eu tive que entrevistar alguns amigos para que eles me contassem algumas coisas, porque eu não me lembrava das histórias”, conta ela, na sala de seu apartamento no bairro do Itaim, onde recebeu a reportagem. Outras anedotas ficaram de fora do livro por pura “vergonha” de contá-las. “Se fosse para contar tudo, teria que fazer uns oito volumes”, diz ela, rindo. “Peguei as mais pitorescas também porque queria que o livro fosse mais leve e palatável”.
Os casos contados pela jornalista são “palatáveis” porque ela imprime muito de sua personalidade nos textos. Barbara é divertida, engraçada, fala sem parar, gosta de fazer seu interlocutor rir, como, por exemplo, quando conta sobre o dia em que fez um ebó para tentar se livrar do vício. Mas não fosse por uma questão do estilo cômico, as histórias de A saideira seriam trágicas. Ela sofreu ao menos oito acidentes de carro por estar embriagada no volante – mas não se lembra de todos. Em um deles, perdeu a visão de um dos olhos. Bebeu tanto certa vez, que acordou no chão da sala, em meio a uma poça de sangue, com um talho na cabeça, e até hoje não se lembra do que aconteceu. Poderia ter morrido em várias das situações em que se meteu. “O alcoólatra que não para de beber, ele acaba morrendo”, diz. “Ou vai cair no banheiro, ou brigar num bar, ou no trânsito…”
A ideia de escrever um livro, ela diz, surgiu justamente para colocar os riscos do abuso do álcool em discussão. Para isso, ela teve que superar a vergonha de reviver muito do que fez ao longo das décadas de vício. “Foi complicado escrever o livro. Eu sonhava com as coisas que já tinham acontecido…”. O processo todo durou pouco mais de dois anos, e hoje ela comemora o feedback positivo que chega dos leitores. “Tenho recebido retornos de gente que comprou o livro e no final decidiu parar de beber”, conta. “As pessoas falam: ‘você era uma bêbada igual a mim. Eu estou me vendo nas histórias!”.
O livro, diz ela, a ajudou a romper as barreiras dos grupos de ajuda e das clínicas, e trouxe o tema para ser debatido em outros ambientes. “O objetivo do livro é mostrar que dá para você parar de beber e ser feliz, e também abrir essa discussão no Brasil porque ninguém faz isso. É uma loucura, em volta da gente tem milhares de pessoas que precisariam de ajuda”.
O professor Leandro Karnal, fez uma entrevista com Barbara. Confira:
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