Recentemente, o debate sobre a responsabilidade dos filhos em cuidar dos pais idosos ganhou novo impulso no Brasil com a proposta de lei que desobriga os filhos de prover cuidado aos pais que foram negligentes durante a infância. Essa discussão é complexa e levanta questões éticas e sociais profundas, principalmente quando consideramos os contextos de abandono afetivo e abuso.
O atual Código Civil brasileiro estabelece que os filhos têm o dever de sustentar e cuidar de seus pais quando estes atingem a idade avançada, independentemente das circunstâncias passadas. No entanto, a proposta de lei em questão sugere que essa obrigação não se aplique nos casos em que os pais tenham sido negligentes ou abusivos durante a criação dos filhos. Esta mudança visa reconhecer que a responsabilidade filial não deve ser uma penalização para aqueles que sofreram abusos e negligências na infância.
O psicólogo e autor Rossandro Klinjey (capa), em seu livro:”Help, Me Eduque”, explora como a gratidão e o dever de cuidado estão entrelaçados na dinâmica familiar. Klinjey argumenta que o cuidado pelos pais na velhice pode ser visto como um ato de gratidão pelos cuidados recebidos durante a infância. No entanto, ele também reconhece que a relação entre pais e filhos pode ser complexa e nem sempre marcada pela reciprocidade e pelo afeto genuíno.
Para Klinjey, a gratidão não deve ser confundida com obrigação. Ele sugere que, quando os filhos têm uma relação positiva e saudável com seus pais, o desejo de cuidar deles pode vir naturalmente como um reflexo da boa relação construída ao longo dos anos. No entanto, quando essa relação é marcada por dor e abandono, a noção de dever pode se tornar um peso significativo.
A realidade de muitos filhos é marcada por experiências dolorosas de abandono afetivo e abuso durante a infância. O abandono afetivo ocorre quando os pais não fornecem o suporte emocional e psicológico necessário para o desenvolvimento saudável dos filhos. Os abusos, por sua vez, podem ser físicos, emocionais ou psicológicos e deixam cicatrizes duradouras.
Para esses filhos, a responsabilidade de cuidar de pais que foram negligentes ou abusivos pode representar uma tarefa quase impossível. A imposição dessa obrigação pode levar a um sofrimento adicional, reavivando traumas passados e colocando os filhos em uma posição extremamente difícil.
Dada a complexidade e a carga emocional que pode acompanhar o cuidado dos pais idosos, o Estado deve desempenhar um papel mais ativo na proteção e no suporte aos idosos cujas famílias não conseguem ou não estão dispostas a cuidar deles. Em sociedades onde as famílias não proporcionam o cuidado adequado, é essencial que o Estado ofereça alternativas, como instituições de longa permanência e programas de assistência social.
A responsabilidade do Estado é também uma questão de justiça social. Quando as famílias falham em proporcionar o cuidado adequado aos seus membros mais vulneráveis, é dever do Estado intervir para garantir que esses indivíduos recebam o suporte necessário. A ideia de que o cuidado dos idosos deve ser uma responsabilidade exclusivamente familiar ignora a realidade de muitas famílias disfuncionais e o sofrimento que pode decorrer dessa situação.
Em suma: a discussão sobre se os filhos devem cuidar de seus pais por obrigação ou por gratidão é intrinsecamente ligada às experiências vividas durante a infância e à dinâmica familiar. O projeto de lei em debate no Brasil reflete uma crescente conscientização sobre a complexidade dessas relações e a necessidade de considerar contextos individuais na definição das responsabilidades familiares. Enquanto isso, a intervenção do Estado se torna crucial para assegurar que todos os idosos, independentemente da qualidade das suas relações familiares, possam ter acesso a cuidados dignos e apropriados.
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