O conformismo é uma armadilha da mente que arrasta grande parte dos jovens e adultos. Não é catalogado como doença, mas é uma característica doentia da personalidade pulverizada em todas as sociedades. Soterra habilidades, anula dons, mina competências, bloqueia algumas funções mais notáveis da inteligência. Alguns conformistas não conseguem nem ser conquistadores no campo social, tampouco no campo psíquico. Não exploram nem o que as pessoas têm de melhor, nem o que possuem de mais rico. Vivem na superfície.

Júlio Malta – nome fictício, mas história real – era filho de um grande empresário. Sempre os melhores carros à sua disposição, cartão de crédito quase que ilimitado. Frequentava os melhores hotéis. Viajava de primeira classe nos aviões e desdenhava os que viajavam em classe em econômica. Acreditava em destino. Acreditava que estava destinado a viver uma vida de nababo, de abastado, eternamente.

Todo ser humano quer ser reconhecido, todo ser humano precisa escrever a sua própria história. Como tinha tudo ao seu redor, teve uma desvantagem competitiva em relação aos seus colegas que pouco tinham. Não decifrou que, se na juventude é aceitável a dependência dos pais, na vida adulta ela é uma fonte de ansiedade, baixa autoestima, complexo de inferioridade. Não decifrou a capacidade de lutar pelo que ama. Pensou que o dinheiro comprava tudo, mas não comprou o amor da sua esposa, o respeito dos amigos, o prazer pelas simples coisas.

Não cursou faculdade. Não se preparou para assumir um trabalho na empresa da família. Condenou-se a ser um eterno dependente, um filho que vivia à sombra do pai. Pouco a pouco afundou nas drogas, se deprimiu e se tornou um alcoólatra. Até que, depois de vários tratamentos fracassados, descobriu que mais do que uma doença psíquica tinha um Eu doente, conformista, inerte, sem reação. Tinha tudo e não tinha nada. Não tinha uma história. Entendeu que um ser humano sem história é um livro sem letras. A duras penas começou a reescrevê-la. Ele precisava tratar de sua doença, mas precisava, muito mais, se reconstruir como ser humano.

O conformista é inerte e mentalmente preguiçoso pelo menos na área em que se considera incapaz, inábil. Não exerce suas escolhas por medo de assumir riscos. Não expande o seu espaço de crítica. Prefere ser vítima à gente modificador de sua história, prefere ser amante da insegurança a parceiro do entusiasmo. Prefere enterrar seus talentos a dar a cara para bater.  Os conformistas transformam fracasso em medo; os determinados transformam derrotas em garra.

Os conformistas são os reis das desculpas.  Sempre têm justificativas para não atuar, não treinar, não exercitar o seu intelecto. Raramente duvidam daquilo que os controla e proclamam: “Não concordo comigo mesmo! Não aceito este destino!”. Claro que há fatalidades que não dependem de nós e sobre as quais não temos controle. Devemos aceitá-las  com humildade e serenidade, mas no que depender de nós, jamais deveríamos nos isentar de agir.

Alguns conformistas vestem o manto da humildade, mas por dentro exalam o aroma do egoísmo.  Nem sempre o egoísta com os outros, mas certamente o é consigo mesmo. Não tem um caso de amor consigo mesmo, não usa todo seu potencial para executar seus sonhos e superar suas falhas.

Os conformistas parecem desapegados a preconceitos, mas na realidade são profundamente aferrados a sua visão estreita de vida e aos seus maneirismos (manias). Alguns parecem desprendido do dinheiro, condenam o materialismo, mas no fundo o amam silenciosamente. Coloque uma fortuna em suas mãos que o monstro da cobiça, que hiberna como janela killer, no seu inconsciente se despertará.

Alguns são mestres dos disfarces. Dizem que está tudo bem, não assumem suas reais dificuldades. Não pedem ajuda e nem treinam o seu Eu para correr riscos. Têm medo de serem criticados, vaiados, vencidos. Reafirmo que todos nós bebemos elevadas doses de conformismos em algumas áreas de nossa personalidade. Alguns são ótimos para resolver problemas dos outros, mas são péssimos para resolver os seus.

Outros são intrépidos para estimular seus amigos a sair do lugar. Mas não têm coragem de vencer sua paralisia. Preferem a falsa proteção do casulo em que se escondem, a ousar viver em um mundo livre com suas nuanças e perigos.

(Trecho extraído do livro “O Código da inteligência” de Augusto Cury – Ediouro – Rio Janeiro 2008)






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