Começo esse texto com uma frase que tenho plena convicção em dizer: tudo aquilo que o inferno representa está contido na palavra abandono! Especialistas em neurociência, afirmam que: quando a criança experimentou uma grande rejeição de seus pais, ou de colegas da escola, a dor psíquica que ela vivencia é semelhante a uma dor física aguda no corpo. E esse sofrer psíquico pode se manifestar na vida adulta no momento de lidar com os conflitos das relações interpessoais, quer a pessoa esteja ciente disso ou não.
O neurocientista Matthew Lieberman, da Universidade da Califórnia, pesquisou durante mais de duas décadas as reações do cérebro nas relações socioafetivas, e concluiu que o fato de não haver demarcação biológica que diferencia, no cérebro, dor física, de dor psíquica, é uma evidência de que a conexão socioafetiva é uma necessidade para o ser humano, tal como água e sono. E o cérebro, possivelmente, se desenvolveu assim, para garantir que as crianças se mantenham próximas e protegidas por seus pais.
Segundo Lieberman, a forma como experimentamos a dor psíquica da rejeição, por exemplo, é conflitante com a percepção que temos dela. Intuitivamente, acreditamos que a dor física e a dor psíquica são experiências completamente diferentes. Entretanto, as pesquisas feitas com ressonância, sugerem que as dores físicas e as psíquicas, no nosso cérebro, têm intensidades mais semelhantes do que imaginamos. (Liberman, 2013).
“Síndrome da criança rejeitada” na vida adulta
Quando você experimentou uma forte rejeição na infância, você pode começar, inconscientemente, a acreditar que não é uma pessoa digna de amor ou que nunca será capaz de manter um relacionamento . Isso é o que os psicoterapeutas cognitivos nomeiam de “Síndrome da criança rejeitada”.
Na maioria das vezes, as pessoas não estão conscientes de que, ás vezes, alguns desarranjos nos relacionamentos são intensificados por causa da rejeição sofrida na infância. Mas se você observar atentamente seus comportamentos, seus pensamentos e seus padrões de relacionamento, será capaz de rastreá-los desde a infância. Selecionei 6 sinais sutis de que a rejeição sofrida na infância pode estar afetando os seus relacionamentos na vida adulta. Confira:
6 sinais sutis de que a rejeição na infância afeta os seus relacionamentos na vida adulta
1- Você facilmente faz suposições negativas sobre o que os outros estão pensando: Pensamentos automáticos podem fornecer muitas informações sobre as crenças que trazemos da infância, acerca de nós mesmos. E são exatamente essas crenças que imediatamente verbalizados sobre nós e sobre o mundo. Por exemplo, se você conhece alguém novo e imediatamente questiona por que essa pessoa se daria ao trabalho de conhecer logo você, esse é um pensamento automático vindo das crenças sobre si mesmo. Se você sempre tem suposições negativas sobre o que as pessoas pensam de você ou quais são suas motivações, pode ser um sinal de que, mesmo que você não se lembre, você sofreu rejeição na infância.
2 – Você tem medo de deixar as pessoas entrarem em sua vida: A evitação é outro sinal de que a rejeição na infância pode estar afetando você. Por exemplo, você pode recusar convites para sair com alguém que esteja interessado ou tenha dificuldade em permitir que as pessoas se aproximem de você, até mesmo pessoas que você considera amigos. Você pode estar operando sob a crença inconsciente de que se as pessoas não conhecerem você o suficiente, elas não descobrirão o quão ‘desagradável’ você é. Então você evita relacionamentos íntimos para se proteger de novas rejeições.
3 – Você acha difícil se envolver seriamente: Se você enfrentou a rejeição quando criança, pode sentir que nunca poderá ser você mesmo numa relação. Que sempre precisará se esforçar em demasia para não ser rejeitado. Você adota para si a certeza de que um dia, mais cedo ou mais tarde, você sempre terminará sozinho e por isso prefere não apostar suas fichas nem mesmo nas relações de amizade ou trabalho.
4 – Você se esforça muito para agradar as pessoas: Se na infância você sentiu que seus pais não estavam sempre lá para cuidar de você, experimentou uma forte rejeição de seus colegas, precisou se esforçar muito para que as pessoas o notassem de maneira positiva, você vir daí a tendências para agradar as pessoas quando adulto.
5 – Você tem dificuldade em confiar em revelar os seus sentimentos às pessoas: Uma vez que a criança percebe que seus pais não estão interessados naquilo que ela pensa, sente e demonstra, ela aprenderá que pessoa alguma no mundo respeitará e dará valor ás suas emoções, pensamentos e sentimentos. Quando adulta, a pessoa terá grande dificuldade em confessar e demonstrar os sentimentos por intermédio de ações. Ao ser cobrada, tentará, mas se sentirá desconfortável e oprimida.
6 – Mesmo que se esforce muito jamais se considera bom o bastante: Ser rejeitado quando criança geralmente leva à baixa autoestima em todos os aspectos da vida, dúvida crônica sobre si mesmo e grande predisposição à transtornos de ansiedade e depressão recorrente.
Superando a rejeição para viver relações afetivas saudáveis
Você não tem culpa de ter nascido num ambiente familiar desarranjado em muitos sentidos. Você não tem culpa da herança genética que você carrega em seu corpo e cérebro. Entretanto, mesmo que você não tenha vindo de uma família emocionalmente saudável, nada lhe impede de construir uma história de vida emocionalmente saudável e vivenciar relacionamentos saudáveis. Nada impede que uma família saudável nasça de você.
A resposta está no fato de que a mente adulta pode fazer o que a mente de uma criança não pode. Uma mente adulta pode entender que a rejeição teve pouco a ver com quem ela é hoje, e que a criança que ela foi não poderia fazer coisa alguma para mudar a maneira excludente com que foi tratada. A mente adulta pode concluir que não adiantaria a criança tirar boas notas e obedecer todas as regras impostas em silêncio, porque na verdade o problema não era ela. A mente adulta pode ter a conclusão de que todos os pais podem ser apenas pessoas muito imperfeitas que jogam seus problemas, seus conflitos e suas dores de existir em seus filhos, e tantas vezes, isso nem significa que a criança não foi amada. Isso pode significar que é bem possível que os pais também tenham sidos crianças rejeitadas que se tornaram adultos incapazes de lidar com afetividade.
E por fim, é certo que a psicoterapia pode ajudar com grande sucesso à ressignificar os traumas da infância, acender uma luz e mostrar a saída daquele labirinto em que nós nos encontramos quando perdemos a direção.
Texto de Clara Dawn, escritora, psicanalista, neuropesquisadora, especialista em prevenção ao suicídio na infância e na adolescência. É presidente do IPAM – Instituto de Pesquisas Arthur Miranda em prevenção à drogadição, aos transtornos mentais e ao suicídio. É fundadora do Portal Raízes.