Estamos vivenciando um tempo em que os adultos se esqueceram do que é ser criança. E o mais assustador nessa condição, é que a indústria farmacêutica tem se beneficiado muito com a ‘criançafobia’ (repulsa pelo ser criança) e assim, com a ajuda de pais e de profissionais da saúde mental, comportamentos comuns da infância têm sido diagnosticados como problemas, síndromes, transtornos… Dessa maneira, crianças saudáveis são medicalizadas só porque são inquietas, barulhentas, rebeldes, perguntadeiras…

A patologização e a medicalização da infância é um erro gravíssimo que tem sido cobrado de forma muito severa no corpo e no cérebro das crianças.

Não estou generalizando ou afirmando que crianças silenciosas e mais quietas sejam infelizes, pois cada criança é um universo em si mesma. Este artigo não é uma tese, é apenas uma percepção a partir dos meus atendimentos clínicos, onde observo que a grande maioria das crianças sadias e felizes, é barulhenta, inquieta, perguntadeira, rebelde até, por que não?, visto que o seu cérebro e corpo estão em franca produção de neurotransmissores de felicidade, amor, aventura, curiosidades e tudo mais. Então, ela corre, grita, se esconde, cria, inventa moda… Faz de tudo para chamar a nossa atenção.

As crianças querem tocar em tudo, experimentar, sentir, rir, aprender… E devemos oferecer a elas ambientes onde isso seja possível.

Porque se a gente sempre as obrigar a ficarem caladas, a não chorarem, a falarem baixo, a não se moverem da cadeira e a não expressarem os seus sentimentos, emoções e pensamentos, elas serão crianças assustadas que não se atreverão a explorarem o mundo, a se superarem, a questionarem, a buscarem respostas por si mesmas…

Elas crescerão e serão adultos sem nenhuma inteligência emocional, serão estagnados, oprimidos e sem autoestima, não terão voz no mundo e suas relações afetivas serão conflituosas.

Ensine que há hora de fazer barulho, há hora de ficar em silêncio, há hora de brincar e hora de ficar quieto

Isso precisa ser verbalizado em tom suficiente de voz: se posicione fisicamente de modo a ficar na mesma altura do seu filho. Olhe nos seus olhos e diga: ‘agora é hora de brincar’; ‘agora é hora de dormir’; ‘agora é hora de ficar em silêncio; agora é hora de dar gargalhadas…’. Depois peça para ele repetir o que vai acontecer naquela hora.

Os ‘choros de alerta’ devem ser atendidos, não censurados. Se uma criança quer tocar algo iremos protegê-la para que não se machuque, mas é necessário fomentar a sua conduta de exploração, de curiosidade, de interação com seu meio. A infância é barulhenta por natureza. Não é preciso passar por uma creche ou uma escola primária na hora do recreio para lembrar o que é ser criança. Elas terão tempo para crescer e também fazerem silêncio, para ficarem quietas nos assentos de um avião sem incomodar ninguém.

O lado positivo da birra

A birra é apenas um pequeno exemplo do que muitos pais sofrem dia após dia. Ir ao supermercado, passar um tempo no shopping, comer em um restaurante…. Se uma criança grita, chora ou chama a atenção de outras pessoas é porque seus pais “estão fazendo algo errado”.

As birras da criança são um dos aspectos mais desafiadores da educação familiar. Nós tendemos a nos sentir como bons pais quando nossas crianças são sorridentes e à vontade, mas podemos nos sentir impotentes e oprimidos quando eles estão deitados no chão, chutando e gritando. No entanto, acredite ou não, as birras da criança são uma parte importante da saúde emocional e bem-estar da nossa criança, e podemos aprender a ser mais calmo diante deles.  razões importantes pelas quais a birra da criança é realmente uma coisa boa.

  • É uma ideia incorreta e estigmatizada que a birra é sempre ruim. Cada criança tem a sua personalidade e a sua forma de interagir em seus contextos mais próximos. Há alguns mais inquietos e outros mais tranquilos, mas isso nem sempre é resultado da educação dada pelos pais.
  • Os bebês choram, e o choro é a linguagem essencial para eles se comunicarem. Estudos mostram que deixar que os bebês chorem sozinhos até pegar no sono não faz mal à saúde e nem gera traumas emocionais. Se você sabe que a criança não está doente, não está com fome, não está com a frauda suja, não está frio…, então eu lhe garanto, o fato de você deixá-la chorar, não será um assunto que ela levará à análise na vida adulta.
  • Se deu birra deixe chorar até a birra passar. Pois a birra alivia o estresse da criança; acalma os pensamentos; faz dormir melhor; e a ensina a compreender limites e o significado do ‘não’.
  • Você pode oferecer uma mesada para a criança. As crianças a partir dos 4 anos de idade podem receber uma mesada e é dessa mesada que elas tirarão o dinheiro para comprarem o que querem no supermercado. Elas então, começarão a ter noções de economia, autorregulação e responsabilidade para com os seus desejos e o valor que eles têm.

 Texto de Clara Dawn, escritora, neuropsicopedagoga e psicanalista, especialista em prevenção à drogadição, aos transtornos mentais e ao suicídio na infância e na adolescência. Clara Dawn é fundadora do Portal Raízes e presidente do IPAM – Instituto de Pesquisas Arthur Miranda em prevenção ao suicídio. Capa: Benício Ávila, foto arquivo pessoal autorizada pela mãe Annalydia M. de Ávila. Proibida a reprodução sem autorização.






Clara Dawn é romancista, psicopedagoga, psicanalista, pesquisadora e palestrante com o tema: "A mente na infância e adolescência numa perspectiva preventiva aos transtornos mentais e ao suicídio na adolescência". É autora de 7 livros publicados, dentre eles, o romance "O Cortador de Hóstias", obra que tem como tema principal a pedofilia. Clara Dawn inclina sua narrativa à temas de relevância social. O racismo, a discriminação, a pedofilia, os conflitos existenciais e os emocionais estão sempre enlaçados em sua peculiar verve poética. Você encontra textos de Clara Dawn em claradawn.com; portalraizes.com Seus livros não são vendidos em livrarias. Pedidos pelo email: [email protected]