“A alma da fome é política”, dizia Herbert José de Sousa, o Betinho (capa), ao ilustrar a raiz da fome no Brasil. É o que confirma um estudo nacional inédito divulgado nesta quinta-feira (21) pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) revelando que a cada 10 mortes no Brasil, 1 pode ser atribuída ao consumo de produtos ultraprocessados, gerando um impacto econômico da ordem de R$ 10,4 bilhões por ano ao país. O levantamento indica que a alimentação com itens como refrigerante, macarrão instantâneo e bolacha recheada provoca 57 mil mortes por ano, o que equivale a 10,5% de todos os óbitos registrados em 2019 ou seis mortes por hora.
Para o pesquisador Eduardo Nilson, da Fiocruz Brasília e do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP (Universidade de São Paulo), autor do trabalho, os números são impactantes, mas podem ser considerados conservadores. “São [valores] subestimados, focados apenas nas doenças com estudos mais robustos em evidências científicas com relação aos ultraprocessados. Com mais dados [de outras comorbidades], porém, o custo com certeza seria bem maior “, afirma Nilson. Do custo total estimado pelo estudo, R$ 933,5 milhões são gastos diretos do SUS com hospitais, ambulatórios e medicamentos em casos de obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão, por ano.
“O Brasil não precisa e não pode combater a fome com ultraprocessados. Não pode porque vai gerar outros problemas de saúde para a população e econômicos. Não precisa porque tem opções. Por que refrigerante e não um suco regional? Margarina em vez de manteiga? Salsicha em vez de uma carne?”, questiona Marília Albiero, coordenadora de Inovação e Estratégia da ACT Promoção da Saúde. As informações são do jornal Folha de São Paulo
Alimentos ultraprocessados são produtos industrializados que passam por diversos processos químicos e físicos antes de chegarem à mesa do consumidor. Exemplos incluem refrigerantes, biscoitos recheados, macarrões instantâneos e salgadinhos de pacote, salsichas, hambúrguer… Esses produtos são ricos em açúcares, gorduras saturadas, sódio e aditivos químicos, mas pobres em nutrientes essenciais. Apesar de sua conveniência e longa validade, sua composição está diretamente associada ao aumento de doenças crônicas como obesidade, diabetes, hipertensão e até câncer.
Comer ultraprocessados não é uma opção quando a única opção são os processados. A desigualdade estrutural empurra milhões de pessoas para um modelo alimentar que favorece as grandes corporações, enquanto o acesso a uma alimentação saudável e digna é negado a uma parcela significativa da população.
O consumo de ultraprocessados é maior em países de baixa e média renda devido a fatores como preço acessível, facilidade de armazenamento e campanhas de marketing agressivas. Em muitos casos, esses alimentos são mais baratos e mais disponíveis que produtos frescos, como frutas, legumes e proteínas. Isso reflete uma estrutura econômica que privilegia o lucro em detrimento da saúde e do bem-estar das populações mais vulneráveis.
A fome é um dos maiores problemas solucionáveis do mundo. No entanto, o capitalismo não tem interesse genuíno em resolvê-la, porque a fome sustenta sistemas de exploração e consumo. A pobreza cria mercados para alimentos baratos e de baixa qualidade, ao mesmo tempo que alimenta um ciclo de doenças que mantém a indústria farmacêutica e de saúde lucrativas. Resolver a fome requer redistribuição de recursos, algo que o sistema atual resiste ferozmente a implementar.
Crianças e idosos são particularmente vulneráveis aos efeitos dos ultraprocessados. Para as crianças, esses alimentos interferem no desenvolvimento físico e cognitivo, aumentando os riscos de obesidade infantil e problemas metabólicos precoces. Já para os idosos, o consumo regular pode agravar doenças pré-existentes, comprometer a imunidade e reduzir a qualidade de vida. Essas populações, muitas vezes dependentes de terceiros para sua alimentação, acabam sendo mais expostas ao impacto negativo dessa dieta.
Para amenizar o impacto dos ultraprocessados e promover uma alimentação mais saudável, é necessário um esforço coletivo entre governo, sociedade civil e iniciativa privada. Algumas soluções incluem:
A notícia divulgada pela Fiocruz não é apenas um alerta sobre a dieta da população brasileira, mas também uma denúncia sobre as desigualdades que moldam nossos sistemas alimentares. Promover o acesso a alimentos saudáveis e combater o domínio dos ultraprocessados requer repensar nossas prioridades enquanto sociedade. Afinal, uma alimentação digna não é um privilégio, mas um direito humano fundamental.
CAPA: Herbert de Souza, conhecido como Betinho (1935–1997), foi um sociólogo e ativista brasileiro que se destacou na luta contra a fome, a desigualdade social e a exclusão no Brasil. Sendo uma pessoa com hemofilia, foi contaminado pelo HIV durante uma transfusão de sangue, o que aumentou sua visibilidade como defensor dos direitos das pessoas com o vírus.
Nos anos 1990, Betinho fundou o Instituto da Cidadania e lançou a campanha Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, que inspirou o programa governamental Fome Zero, implementado anos mais tarde para combater a fome no Brasil. Sua atuação uniu movimentos sociais, empresas e a sociedade civil, criando uma ampla rede de solidariedade. Betinho é lembrado como um símbolo de luta pelos direitos humanos e pela dignidade.
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