Eu estou sempre perdendo coisas. Quando eu preciso de caneta, não sei o que me acontece, nunca encontro uma. E muitas vezes, por toda parte procuro em vão, tendo-a bem ao alcance.
Quando eu era criança gostava de colecionar objetos brilhantes. No caminho de casa para escola e da escola para casa havia muitos desses tesouros na estradinha de cascalho. Depois da chuva era melhor, pois a enxurrada, apesar de arrastar muitos tesouros, trazia outros tantos:um fragmento de cristal de quartzo, uma diminuta pedra da lua, cacos de vidro e pedaços de telhas de amianto, até papéis de balinha e de cigarro… Qualquer coisa que brilhasse ia para a gibeira do uniforme. Minha mãe me apelidou, injustamente, de ‘lixeira brilhante’.
O meu tesouro encantado exposto sobre o chão batido do quintal era a coisa mais linda do mundo. Cada objeto era uma história de aventura que eu tinha para contar. Os meus brinquedos brilhantes faziam de mim, um ser também brilhante. Lembro-me de que nos dias de chuva eu colocava os tesouros em barcos de papel e ia brincar nas poças de lama. Que felicidade era ter um mar inteiro só para eu vivenciar infindas aventuras.
De colecionadora de objetos brilhantes à perdedora de coisas necessárias foi um instante. A vida vai “asonsando” a gente aos poucos. Com o passar dos anos eu também perdi o meu ‘eu’ brilhante. O encantamento com vida tornou-se opaco demais. Foi aí que, coisa absurda, eu passei a olhar para uma janela e ela não me pareceu outra coisa senão uma janela: um vão no centro de um quadrado. Foi aí, coisa triste, que eu comecei a tirar, de dentro do sapato, as pedrinhas que estavam machucando os meus pés, e odiá-las sem quaisquer lembrança de que elas poderiam ter rolado na velha estradinha de cascalho da infância entre os meus objetos brilhantes. Onde foi que eu deixei aquela menina que brincava numa poça d’água como quem navega num oceano? Como ressuscitar o meu eu brilhante e enfim voltar a viver?
Para ressuscitar o ‘eu’ brilhante a única coisa de que você precisa é de oferecer a todos que lhe cerca o que há de melhor em você. Algo que pode ser doado sempre que for cumprimentar alguém; algo além do que o riso humano pode oferecer: um riso pretensioso dado com a vibração do olhar. Pretensioso sim, pois se é autocura que necessita, não poderá oferecer aos outros um riso congelado do tipo que se acha em amostra grátis de creme dental. Tem de ser um riso fluido do seu ‘eu’ criança, ofertado com a única intenção de ressuscitar a sua paz interior e de doar um pouco – de pouco em pouco – dos tesouros brilhantes que você carrega no bolso. Depois que eu tornei isso um hábito, todas às vezes em que olhei para uma janela, ela nunca mais foi apenas uma janela.