A ex-escrava Harriet Tubman substituirá o ex-presidente Andrew Jackson (1829-1837) nas notas de US$ 20, no que constitui a primeira vez em que uma mulher negra figurará na moeda norte-americana, informou nesta quarta-feira (20) um funcionário do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos.
A renovação – programada para ocorrer até 2020, centenário da conquista do voto feminino nos Estados Unidos – é resultado de uma campanha realizada pelo grupo Women on 20s (Mulheres nas Notas de 20, em tradução livre). A organização reúne ativistas que, desde o começo de 2015, pressionam o governo americano para que mulheres tenham sua representação na moeda do país, hoje integralmente ilustrada por homens. No ano passado, o grupo conduziu uma pesquisa online sobre quem deveria ser a primeira mulher a ser representada. Das 600 mil pessoas que participaram, quase 40% escolheram Tubman.
Por que substituir a foto de ex-presidente pela foto de uma escrava?
O alvo principal da campanha, a nota de US$20, antes da campanha pela inclusão de Tubman, já era alvo de questionamentos. Jackson, o sétimo presidente dos Estados Unidos, tem contra si o fato de era um defensor da escravidão e exerceu papel importante na tomada de terras de povos indígenas em território americano. Dentre os objetivos citados pela declaração do Women on 20s, encontra-se “a remoção de símbolos de ódio, intolerância e desigualdade, para permitir a igualdade que estimulará o potencial de todas as pessoas independente de gênero, raça, etnia, orientação sexual ou identidade”. Jackson deixará a parte da frente da nota, mas se manterá na face traseira, o que rendeu críticas por parte de grupos e ativistas ao Tesouro americano.
Vidas Negras Importam
Considerando o momento atual nos Estados Unidos – com o surgimento de movimentos como o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que denuncia o tratamento dado a negros no país pelas forças de segurança, e o fato de o mandato do primeiro presidente negro do país, Barack Obama, se encaminhar para seu fim – a mudança na nota de US$ 20 pode ter uma simbologia muito importante, de acordo com Larson. “Representa o quanto Tubman lutou para que esse país avançasse em questões de liberdade e igualdade. Nós progredimos bastante, ainda temos um longo caminho a percorrer, mas ela realmente mudou o mundo e tê-la naquela nota vai ajudar a levar adiante uma conversa que esse país tem tido dificuldade de levar: o legado da escravidão e como nós ainda vivemos com esse legado hoje. Ela vai nos ajudar a ter essa conversa de forma mais ampla e significativa. E nós, como um povo, temos que estar incrivelmente orgulhosos”, afirma.
Harriet Tubman é considerada ícone por lutar pelo abolicionismo
Nascida na escravidão, Tubman não só conseguiu se libertar como capitaneou missões que levaram à libertação de dezenas de escravos. Harriet Tubman nasceu em Maryland, estado localizado entre o sudeste e o noroeste americano, na década de 1820. Como escrava, aos seis anos começou a trabalhar como servente doméstica. Aos 13, foi enviada para trabalhar nos campos da fazenda onde vivia. Ela viu suas irmãs serem vendidas, os pais idosos trabalharem como escravos e carregou por toda a vida marcas físicas da escravidão: além das cicatrizes deixadas por chicotes, ela ganhou uma deficiência permanente depois de receber uma forte pancada na cabeça, desferida por um feitor e destinada a outro escravo a quem Harriet tentava defender – ela nunca se recuperou completamente e como consequência, por vezes caia em sono profundo sem querer.
Nos Estados Unidos, ela se tornou mais conhecida por sua participação durante a Guerra Civil Americana (1861-1865). Kate Larson, historiadora e autora da biografia Bound for the Promised Land – Harriet Tubman: portrait of an American Hero (Destinada à Terra Prometida – Harriet Tubman: retrato de uma heroína americana, em tradução livre), qualifica Harriet como um “camaleão” – ela atuou como professora, cozinheira e espiã, conectando as tropas da União com redes de informações de escravos. “Ela é lembrada por sua determinação nas Rotas Subterrâneas, não só para se libertar, mas voltar diversas vezes para resgatar sua família e amigos, pondo sua vida em grande risco”, afirma Larson. “Muito poucas pessoas fizeram isso, e Tubman não o fez uma ou duas vezes, mas 13 vezes. Ela enfrentou a possibilidade de ser morta muitas vezes, quase foi capturada muitas vezes e continuou lutando contra a escravidão a cada momento que pôde. Ela nunca desistiu, ela continuava em frente”, diz a autora. Embora tenha tido um papel ativo, Tubman levaria 30 anos para conseguir do governo americano a pensão que lhe era de direito como “veterana” da Guerra Civil.