Chamamos de hábitos, os comportamentos não inatos, que se tornam repetitivos e fixos. Ao que tudo indica, eles se consolidam na nossa memória, criando um caminho sólido no sistema nervoso, de modo que, em cada dada situação, respondemos do modo que foi padronizado.
Uma vez criado um hábito, que é um tipo de reflexo condicionado que se estabelece em função das repetições, fica muito difícil desfazê-lo. Temos facilidade para associar (condicionar) e enorme dificuldade para dissociar, desfazer essas conexões cerebrais que se fixam com vigor.
Se um dia nos habituamos a comer depressa, temos enorme dificuldade de reaprender e passar a comer mais devagar, mastigando bem os alimentos. Se um dia nos habituamos a cruzar as pernas ao sentar, o movimento nos chega automaticamente mesmo quando já sabemos da necessidade de nos livrarmos dele por força de algum problema de postura. Precisamos de atenção redobrada, de enorme empenho constante e prolongado, para conseguirmos nos livrar de nossos condicionamentos.
Compulsões são hábitos inconvenientes, nocivos
As compulsões correspondem a hábitos específicos que se perpetuam apesar de terem um caráter frequentemente inconveniente ou mesmo nocivo. São exemplos de compulsões o ato de roer as unhas, os variados tipos de automutilação, como por exemplo se ferir com as próprias unhas, assim como os transtornos obsessivo-compulsivos (TOC).
O que os caracteriza, a meu ver, é uma propriedade muitas vezes difícil de ser detectada, qual seja, a de que provocam uma redução de ansiedade: se alguém está muito nervoso e desenvolveu a compulsão de roer as unhas, será nessa hora que o fará, posto que isso provocará uma melhora do estado emocional. Em uma frase: as compulsões provocam um tipo especial de prazer, chamado por Schopenhauer de “prazer negativo”, que se caracteriza pela existência de um desconforto inicial que se atenua através da realização do ato compulsivo; ele provoca um tipo de prazer parecido com o que nós sentimos quando, com frio, nos agasalhamos, com sede, bebemos água…
Os Transtornos Obsessivos Compulsivos que aliviam a ansiedade
Os rituais repetitivos do portador de TOC aliviam uma ansiedade que só se esvai por esse meio. A compulsão por arrancar os cabelos (tricotilomania) só se perpetua por ter se transformado em “remédio” para a ansiedade que acompanha aquela pessoa em determinadas situações.
As compulsões alimentares ligadas à ingestão exagerada de comida (ou de certos doces) seguem o mesmo trajeto: apazigua a sensação de desamparo que nos maltrata em determinados momentos do dia ou da semana. Aquelas ligadas à recusa em se alimentar (anorexia) parecem relacionadas inicialmente ao prazer de se ver magra, que depois se transforma em algo mais complicado, onde o ato de comer aparece como a quebra de um ritual que alivia certas tensões, além de fazer bem à vaidade. As compulsões alimentares são mais complexas porque, além do alívio da sensação dolorosa de desamparo, trazem consigo também um “prazer positivo”, sensação agradável que não depende da presença de um desconforto prévio.
A quase impossível tarefa de ter de se livrar do que dá enorme prazer
O doce ou o chocolate são experiências agradáveis mesmo na ausência de qualquer desconforto! Esse tipo de compulsão já tem um pé naquilo que se chama de vício. O vício costuma estar ligado a um fortalecimento ainda maior das conexões neuronais típicas dos hábitos, pois, no cérebro, se estabelecem outros trajetos típicos da dependência química.
Desnecessário dizer das dificuldades das pessoas para se livrar deles, posto que, ao menos numa primeira fase, provocam enorme prazer, sendo que os efeitos nocivos só costumam aparecer depois de muito tempo. Nem todos os vícios implicam dependência química, porém todos têm a ver com a presença de um prazer positivo, um bem-estar inicial: consumismo desvairado, excesso de trabalho…É preciso cautela, pois não é difícil nos vermos enredados em algumas dessas situações. E, para sairmos, necessitamos, na maior parte das vezes, de um esforço hercúleo e de muita determinação. Mas não é impossível. Como ensinou Freud, ‘quando a dor de não estar vivendo for maior que o medo da mudança, a pessoa muda’.
Estas assertivas são de Flávio Gikovate – (1943–1916) médico-psiquiatra, psicoterapeuta, conferencista e escritor brasileiro.