“Sei que é inevitável que os filhos deixem de ser crianças e abandonem a proteção do ninho. Eu mesmo sempre os empurrei para fora. Sei que é inevitável que eles voem em todas as direções como andorinhas adoidadas.
Sei que é inevitável que eles construam seus próprios ninhos, e que eu fique como o ninho abandonado no alto da palmeira… Mas, o que eu queria mesmo, era poder fazê-los de novo dormir no meu colo… Existem muitos jeitos de voar. Até mesmo o voo dos filhos ocorre por etapas. O desmame, os primeiros passos, o primeiro dia na escola, a primeira dormida fora de casa, a primeira viagem.
Desde o nascimento de nossos filhos temos a oportunidade de aprender sobre esse estranho movimento de ir e vir, segurar e soltar, acolher e libertar. Nem sempre percebemos que esses momentos tão singelos são pequenos ensinamentos sobre o exercício da liberdade.
Mas chega um momento em que a realidade bate à porta e escancara novas verdades difíceis de encarar. É o grito da independência, a força da vida em movimento, o poder do tempo que tudo transforma.
É quando nos damos conta de que nossos filhos cresceram e apesar de insistirmos em ocupar o lugar de destaque, eles sentem urgência de conquistar o mundo longe de nós. É chegado então o tempo de recolher nossas asas. Aprender a abraçar à distância, comemorar vitórias das quais não participamos diretamente, apoiar decisões que caminham para longe. Isso é amor.
Muitas vezes, confundimos amor com dependência. Sentimos erroneamente que se nossos filhos voarem livres, não nos amarão mais. Criamos situações desnecessárias para mostrar o quanto somos imprescindíveis. Fazemos questão de apontar alguma situação que demande um conselho ou uma orientação nossa, porque no fundo o que precisamos, é sentir que ainda somos amados. Muitas vezes confundimos amor com segurança. Por excesso de zelo ou proteção cortamos as asas de nossos filhos. Impedimos que eles busquem respostas próprias e vivam os seus sonhos e não os nossos. Temos tanta certeza de que sabemos mais do que eles, que o porto seguro vira uma âncora que os impede de navegar nas ondas de seu próprio destino.
Muitas vezes confundimos amor com apego. Ansiamos por congelar o tempo. Ficamos grudados no medo de perder, evitando assim o fluxo natural da vida. Respiramos menos, pois não cabem em nosso corpo os ventos da mudança. Aprendo que o amor nada tem a ver com apego, segurança ou dependência, embora tantas vezes eu me confunda. Não adianta querer que seja diferente: o amor é alado.
Aprendo que a vida é feita de constantes mortes cotidianas, lambuzadas de sabor doce e amargo. Cada fim venta um começo. Cada ponto final abre espaço para uma nova fase. Aprendo que tudo passa, menos o crescimento pessoal. É nele que podemos pousar o nosso descanso e a nossa fé, porque ele é eterno.
Aprendo que existe uma criança em mim que ao ver meus filhos crescidos, se assusta por não saber o que fazer. Mas é muito melhor ser livre do que imprescindível. Aprendo que é preciso ter coragem para voar e deixar voar. E não há estrada mais bela do que essa”.
Texto do mestre Rubem Alves – Extraído do E-book “Desfiz 75 anos”