Minha esposa tem, no fogão, uma boca de estimação (todo mundo tem). Ela sempre escolhe a segunda da esquerda. Se vai esquentar água para o chá, coloca a chaleira ali. Se vai fazer um ovo, coloca a frigideira ali.
Das cinco chamas, há uma predileta. Não sei se a priorizou porque é a mais forte ou a mais constante, porque é a que acende mais rápido ou a mais confiável. Nunca perguntei. Sei que ela não muda de opinião. Parte para as outras apenas como coadjuvantes, quando depende da simultaneidade das panelas. Em caso de uma solitária tarefa, é ela, sempre ela. Acordo de manhã e vejo Beatriz aquecendo o seu riso no lugar de costume.
Você definirá o seu território pessoal. Restringirá o seu corpo ao que representa o seu humor. Não usará a casa inteira, existirá uma casa unicamente sua dentro da casa.
Encontrará a sua janela preferida para uma determinada paisagem e chegada do vento, só repartirá a cortina daquela; determinará o seu lado no sofá ou na cama, não abdicará do seu canto; elegerá uma cadeira na mesa, jamais alterará a sua posição; montará uma escrivaninha para escrever e não aceitará suplências.
Ligará a luz onde julgar sombreado e dispensará os demais interruptores. Tem um espelho de sua afeição de todos os espelhos, uma cômoda do seu gosto de todas as cômodas, uma gaveta de seus guardados emocionais de todas as gavetas. Mais da metade da residência não é empregada.
O que me leva a concluir que não precisamos de muito para alcançar a nossa felicidade. Conservamos os nossos itens básicos e insubstituíveis, que nos deixam mais à vontade. Separamos a nossa bagagem essencial para viver.
Você cultivará um apreço especial a um moletom, demonstrará favoritismo a um par de sapatos ou a um chinelo, não abrirá mão de uma camiseta antiga quando a realidade exigir uma motivação adicional.
Conhecer alguém é descobrir os seus espaços, já amar é respeitá-los, entendendo que são santuários de uma personalidade.
Texto de Fabrício Carpinejar