Por que começamos a amar alguém? Por que amamos A e não B? E por que continuamos amando mesmo depois de nos decepcionarmos tanto? Esta semana uma analisanda me perguntou por que a gente ama as pessoas. Eu lhe perguntei sobre qual corrente de pensamento ela gostaria de ter uma resposta: neuropsicanalítica, religiosa, filosófica ou de senso comum. Então ela me disse: ‘quero saber o que a ciência diz sobre por que amamos as pessoas e por que as pessoas que amamos, ás vezes nos machucam tanto. Tentarei ser breve aqui sobre a resposta que dei a ela:
Nós somos seres unimultiplos e isso que dizer nós não somos apenas matéria humana, nós seres físicos, psíquicos, sociais, culturais, somos energéticos e também herdeiros de uma linhagem genética com suas probabilidades saudáveis e enfermas. Todas essas coisas colaboram para a construção de quem somos e quem seremos nos dias seguintes. O nosso corpo é a fabrica incrível onde se produz todos os hormônios (neurotransmissores) que nos fazem amor, ódio, ciúmes, inveja, raiva, nojo, desejos, repulsas, empatia, resiliência, tristeza, dores físicas, psíquicas e etc. Estes são alguns dos sentimentos e algumas das emoções que são desencadeadas de dentro para fora de nosso corpo, de acordo com as situações vividas.
É a admiração que nos conduz ao amor e quando ela se vai, leva o amor consigo
Dessa maneira o que nos faz amar alguém é todo processo bem complexo que também será complexo na continuidade desse sentimento de profundo bem estar. Começa com você admirando uma pessoa, seja em qual aspecto for, e essa admiração lhe provoca boas emoções e as boas emoções, mais sentimentos de bem estar. O tempo passa e a admiração vai crescendo, vai se transformando num encanto, num fascínio, numa explosão de desejos inebriantes e então o seu cérebro experimenta um boom de oxitocina (hormônio que promove sentimentos de amor, união social e bem-estar). Assim, quanto mais a pessoa conquista a sua admiração, mais você sente que a ama. O contrário, é claro, também vai acontecer: quanto mais você vai descobrindo pontos obscuros na pessoa, menos respeito e admiração sente por ela, menos oxitocina seu cérebro produz.
Por que continuamos amando a pessoa mesmo depois dela nos decepcionar tanto?
Lembra que eu disse que aconteceu um boom na produção do hormônio do amor na fabrica cerebral enquanto você se sentia feliz com a pessoa que admirava? É certo que essa produção permaneça por um tempo, agora, lhe trazendo mais dor do que prazer. Pense numa caixa d’água que estava transbordando e de repente a fonte que mantinha cheia, secou. Ainda há água dentro da caixa, mas a torneira está quebrada e se não for consertada, se a fonte não puder ser restaurada, em pouco tempo a caixa d’água ficara vazia. E a busca pelo preenchimento desse vazio poderá conduzi-lo à escolhas, tantas vezes, equivocadas. É exatamente essa busca que sempre nos leva a acreditar de novo, a admirar de novo e amar de novamente uma outra pessoa que ‘”essa vez será a certa”.
A neurociência pode explicar por que sentimos, mas nunca como sentimos
É verdade que a neurociência pode explicar por que sentimos afeto por alguém, mas ela nunca explicará de que maneira cada um nós sente o que sente. Lembra que eu disse que somos seres unimultiplos? Isso quer dizer que cada um de nós tem um jeito de receptar, manifestar, lidar e preservar, ou não, com os sentimentos advindos da admiração por alguém. Por isso, não desista do amor bilateral ainda. Aos poucos você descobrirá que quanto mais investe o seu tempo, o seu dinheiro e a sua produção de amor em si, você dará uma grande lição de como deve e merece ser tratado. Afinal de contas, amor próprio não é pecado. Amor próprio faz bem pra saúde integral, para autoconhecimento, para a beleza da face e da alma, cura siquizira, urucubaca, olho gordo, desanda e ainda traz o amor em três dias.
Texto de Clara Dawn, escritora,neuropsicopedagoga, psicanalista, especialista em prevenção à drogadição, aos transtornos mentais e ao suicídio na infância e na adolescência. Clara Dawn é fundadora do Portal Raízes e presidente do IPAM – Instituto de Pesquisas Arthur Miranda em prevenção ao suicídio.