A fome é o maior problema solucionável do mundo, de acordo com o Programa Mundial de Alimentos, da ONU. No Brasil, a fome é gorda: nossas crianças são obesas e desnutridas. Nossas crianças não são esquálidas, magérrimas, como as fotos que se vê de crianças africanas, por exemplo. Nossas crianças são barrigudas, cheias de vermes, com distúrbios glandulares, devido à falta de nutrientes essenciais.

Assim, há crianças e adultos obesos e famintos, pois comem apenas um ou dois alimentos, o que caracteriza o estado de desnutrição. Nossas crianças estão sendo envenenadas, e ainda há escolas que abrem suas portas à redes de lanchonetes, o que é o mesmo que abri-las a um assassino portando armas. Os dados oficiais demonstram que, em nosso país, pelo menos 30% das crianças apresentam sobrepeso, e 15% são obesas – um crescimento em progressão geométrica.

O plano que o governo precisa estabelecer é proibir a publicidade de alimentos nocivos à saúde da população, principalmente das crianças, como refrigerantes, achocolatados, frituras e outras guloseimas em geral.

Países como o Chile, a França e a Inglaterra já restringem a veiculação de propaganda dos alimentos nocivos. No Brasil, o que a Vigilância Sanitária libera o Ministério da Saúde assume, gastando recursos altíssimos com doenças evitáveis. Especialistas e instituições creditam à indústria alimentícia a explosão da obesidade nacional e mundial. Portanto, o caminho necessário é controlar a elaboração dos alimentos desde a fonte.

O primeiro passo é proibir a fabricação de alimentos com alto teor de sódio, excesso de açúcar e gorduras saturadas. O segundo, obrigar as escolas a fazerem educação nutricional.

Na escola aprendemos muito, mas nem todo dia utilizamos o que aprendemos de matemática, de geografia, de química. No entanto, nos alimentamos várias vezes ao dia, sem noção da qualidade do que ingerimos e muito menos da reação do organismo ao alimento ingerido.

A publicidade – infantil e adulta – tem muita participação e responsabilidade na epidemia de obesidade porque cria hábitos de consumo desde os primeiros anos de vida.

Está provado que um alimento promovido maciçamente na televisão e na internet tem aumento de consumo de até 134%. O massacre publicitário induz as pessoas a comerem pelos olhos, e não pela barriga.

56% das crianças com menos de 1 ano bebem Coca-Cola até em mamadeira

Os dados são mesmo alarmantes: 56% das crianças brasileiras com menos de um ano bebem refrigerante – até mesmo em mamadeira. Um pacote de biscoito recheado equivale a oito pães franceses. Em cada cinco crianças obesas, quatro serão obesas no futuro. Redes de fast-food, em suas informações nutricionais, trocam a palavra “açúcar” por “carboidrato”.

Obesidade e sobrepeso carregam outras doenças

O filme Muito Além do Peso escrito e dirigido por Estela Renner(capa),  fala justamente não só sobre o problema da obesidade infantil, mas do sobrepeso – 30% das crianças brasileiras estão acima do peso. E de como isso pode interferir na saúde e no futuro desta geração.

“Obesidade e sobrepeso carregam com eles outras doenças muito graves, que só víamos em adultos até então: diabetes tipo 2, alguns tipos de câncer, doenças do coração, pulmão, entre outros. É preciso sacudir as pessoas em relação a esse assunto. Os pais sabem que seu filho está com colesterol alto, mas acreditam que vai passar, que sempre vai acontecer a fase do estirão”,  diz Estela.

“Um dos maiores problemas é que muitos acreditam – erroneamente – que a genética é a grande vilã e que seus esforços de alimentar seus filhos serão em vão. Poucos sabem que o fator genético ocupa somente 10% dos casos e que a obesidade e o sobrepeso podem também ser domados com uma reeducação alimentar”, defende Estela, que, também ao lado de Marcos Nisti, dirigiu Criança, a Alma do Negócio.

O documentário ainda chama a atenção para hábitos rotineiros que ajudam a piorar o quadro geral: horas em frente à televisão e computadores, maus hábitos alimentares e a negociação do afeto ou da obediência por meio da comida.

Algumas cenas são emblemáticas, como a da birra em que uma criança só se acalma e para de chorar compulsivamente quando recebe a guloseima que tanto deseja – obviamente, recheada de calorias.

O filme, que levou dois anos para ser concluído, fez a equipe entrevistar famílias de norte a sul, leste a oeste do Brasil: de grandes cidades a pequenos municípios, comunidades rurais e até aldeias indígenas.

Há várias situações inusitadas, entre elas a de um cacique que é adepto do macarrão instantâneo e de crianças que não identificam uma batata ou uma cebola.

“O Brasil é um país enorme, mas os problemas alimentares das crianças, em geral, são os mesmos, independentemente de onde ou como vivem”, ressalta a cineasta.

“Tanto a criança do Amazonas quanto a do Rio Grande do Sul não sabe o que é um mamão e não lembra quando foi a última vez que comeu uma manga. E todas adoram e consomem salgadinhos e refrigerantes“, conta Estela.

Além das entrevistas com as famílias e dos dados pesquisados, o filme ouviu uma série de especialistas nacionais e internacionais da medicina, da nutrição, do direito, da psicologia, da publicidade, entre outros.

Entre eles, Frei Betto; Enrique Jacoby, médico da Organização Mundial de Saúde; o chef Jamie Oliver e Amélio Fernando de Godoy Matos, do Instituto de Diabetes e Endocrinologia.

“As pesquisas, segundo Jamie Oliver, indicam que a criança de hoje viverá 10 anos a menos que seus pais por causa do ambiente alimentar que criamos em volta dela”, alerta a diretora. E defende, como prevenção, uma campanha para a TV aberta nacional.

Os especialistas defendem a regulamentação da composição do produto por parte do governo, como também sobretaxar alimentos que vão gerar custo para a saúde pública depois – como fazem com o cigarro, no caso de produtos muito ricos em açúcares, gordura e sal.

A educação alimentar nas escolas deve entrar como parte do currículo escolar das crianças. Eles também apontam como fundamental as campanhas de mídia alertando para o que se deve e o que não se deve oferecer para o seu filho no cotidiano.

Além disso, não se pode esquecer de aparelhar pais e mães para que eles possam ter e também dar uma educação alimentar no ambiente doméstico.

“É preciso regulamentar a publicidade dirigida às crianças urgentemente. Não podemos mais deixar que os pais sozinhos enfrentem esta batalha só porque eles são os pais das crianças. Os pais precisam de ajuda porque as crianças precisam de ajuda”, defende Estela.

Em sua opinião, as cenas dos bebês tomando refrigerante antes do primeiro ano de vida são as mais chocantes.

“Um dos nossos primeiros contatos com o mundo é por meio do aleitamento materno, e é um momento fundamental de reconhecimento e formação da relação mãe e filho. Além de chocante do ponto de vista da saúde, acho muito simbólico, do ponto de vista das relações que estamos criando, ter um produto tão cheio de químicos já intrometido entre mãe e filho”.

Depois do filme, até a equipe de produção mudou os hábitos alimentares. “Você convive com isso por quase dois anos, e naturalmente não tem mais coragem de colocar na boca uma coisa que tem um corante proibido na Europa porque provoca câncer”, conclui a cineasta. Quem assistir ao filme Muito Além do Peso, com certeza, vai mudar.

 






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