Queria ver o raiar da era do bem estar, das gentes que se respeitam, se ajudam. Não pare no tempo. Não pare. Está tudo rodando, girando, mudando. Tudo sempre se transformando. Não pare na raiva contida da violência sentida pela guerra, pela morte da criança. Fome, nariz escorrendo, barriga d’água crescendo. Do ouro lado do mundo, uma criança recusa um prato bonito de alimento. Nariz limpinho, perfumada, barriga musculosa, bem arrumada da natação, da ginástica.

Esse menino, coitado, joga bolas de tênis encardidas para cima, duas, três, quatro. Olhos atentos mirando, como menino de circo. O circo é a rua, a esquina onde espera um trocado, uma moedinha, por favor.

No banco de trás, a menina fica pensando se ela conseguiria… Suas bolas de tênis são novas. Uma vez ou mais por semana, corre na quadra. Roupa engomada, arrumada. O menino de pé sujo, roupa meio rasgada, joga para o alto as bolinhas. Tem gente que não diz nada. Fecha a janela do carro, e vai embora correndo, “adultos que exploram crianças , pois com certeza devem estar por perto esperando” e é por isso que ele não dá esmola. Assim pensando se vai. Terá conseguido limpar a mente? Na hora de pagar a conta do restaurante de luxo, por um átimo de segundo, vê a imagem do menino de olhos firmes nas bolas verdes.

Tem gente querendo matar. Tem gente querendo morrer. Tem gente querendo viver. Tem gente querendo viver uma vida melhor, sem medo de caminhar, de abrir o seu bar, sua loja, de ir à escola… Tem gente querendo viver vida melhor, sem ver a mãe maltratada pela patroa madame. O amigo convidou para um trabalho, “Dá quinhentos paus limpos, mano. É só levar um pacote”. Que tentação. Tentou trabalho de boy nos escritórios da vida. Foi mandado embora, pois adormeceu na fila. Tanto somo, que vontade de fugir dessa cidade. Lá no morro sou mais gente, tem respeito e tem carinho. Tem Maria de olho morno, sorrindo bem de mansinho.

A mãe chega cansada, as varizes na perna saltadas. Trouxe um pouco de carne. Bebe um café apressado e se joga na panela. […] Não pare no tempo. Não pare. Não repita o mesmo erro daqueles que profanaram seu direito de ser gente, seu direito de ter pão, respeito, consideração. Cuidado que a faca corta de ambos os lados. Espreita na fresta estreita de cada um dos dois lados. Filme de bangue-bangue na periferia, no centro, na praia, no mercado.

Queria que meus meninos e minhas meninas pobres e ricos, ricas e pobres, remediadas e enfadadas, saíssem de mãos dadas, unindo os seus sorrisos com os de todos os povos irmãos. Queria ver o raiar da era do bem estar, das gentes que se respeitam, se ajudam. Perdão, misericórdia, compaixão para aqueles cujo coração é duro, fechado, travado. No ódio, no medo criado. Na dureza, na injustiça, na frieza acostumada. Esquentem o mundo, pois ele faz parte do céu. Caminhemos juntos ao arco-íris dos cavaleiros da paz.

Texto do livro Viva Zen, Monja Coen, Publifolha, 2004, páginas 34 e 35.






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