Uma pista crucial sobre a importância da Amazônia como berço de onde se espalharam culturas vem da linguística. Entre os povos nativos da América do Sul, a diversidade de idiomas é a regra. Nosso pedaço do continente tem cerca de uma centena de famílias linguísticas, o que dá pouco menos de um quarto do total mundial. Desse conjunto, nada menos que 50% correspondem a famílias de um único membro, as chamadas línguas isoladas, que não possuem parentes conhecidos.

A mais famosa família linguística da floresta é a conhecida de qualquer brasileiro: a Tupi-Guarani, que se espalhava por quase toda a costa brasileira (e um bom pedaço da uruguaia), bem como por pedaços substanciais do Paraguai e trechos da Amazônia, no começo do século 16. É praticamente certo, com base nos dados de diversidade linguística, que esse grupo tenha surgido na atual Rondônia há milênios, nos tempos dos faraós egípcios.

Já as etnias da família linguística Aruak (que pode ter surgido no noroeste da Amazônia ou em outros locais da bacia) têm distribuição geográfica ainda mais ampla, da Bolívia ao Caribe. Os Taino, primeiros povos originários com quem Colombo topou em 1492, pertenciam a esse grande grupo.

Aliás, um estudo genético recente mostrou que eles eram parentes próximos dos Palikur, grupo que ainda vive no Amapá. E, a propósito, os mares caribenhos ganharam esse nome graças aos Carib, membros de outra família linguística de ampla distribuição e raízes amazônicas que também acabou navegando para a América Central e colonizou certas ilhas por lá.

As alianças multiétnicas que hoje caracterizam o Alto Xingu envolvem principalmente grupos Aruak e Carib e acredita-se que um sistema parecido com o que existe hoje, mas numa escala muito maior, teria sido o responsável pela criação de monumentos e aldeias circulares gigantescas, talvez sob coordenação original dos Aruak, grupo com tradição em comércio de longa distância e diplomacia em outros pontos da Bacia Amazônica.

A única grande família linguística nativa do atual Brasil que não tem essa associação próxima com a Amazônia é a Macro-Jê, mais típica da região central do país e de áreas do interior das regiões Sul e Sudeste (exemplos são, respectivamente, os Xavante e os Kaingang).

“Mesmo assim, tenho colegas que trabalham com linguística que enxergam uma maior diversidade Macro-Jê na fronteira sul da Amazônia”, aponta Jonas de Souza Neres, da Universidade Federal do Pará – e essa é uma pista crucial a respeito do local de origem de uma família de idiomas: em geral, a área com a maior diversidade costuma ser o berço de um grupo, basicamente porque ele existiu ali por mais séculos e, com isso, teve mais tempo para se diversificar.

Considerando o que sabemos sobre outras expansões linguísticas mundo afora, faz sentido imaginar que as etnias amazônicas saíram na frente graças às suas práticas agrícolas, ao menos em parte.

E, de fato, várias plantas importantes parecem ter sido domesticadas inicialmente na Amazônia ou em regiões próximas, espalhando-se de lá para o resto do continente. A lista inclui a mandioca, o abacaxi, o cacau, o amendoim e uma série de palmeiras frutíferas, como a pupunha – no total, calcula-se que mais de 80 espécies amazônicas acabaram sendo adaptadas para o uso humano.

Além disso, o milho, vindo do México, obrigatoriamente teve de passar pelo território amazônico antes de chegar às demais regiões sul-americanas. Com tanta diversidade nas mãos, os grupos que deixaram o berço amazônico carregavam consigo um pacote tecnológico adaptado a diversos ambientes de floresta tropical — o que teria ajudado os Tupi e Guarani a colonizar regiões de Mata Atlântica, análogos à costa da Amazônia, argumenta Souza (Trecho de um texto de Reinaldo José Lopes e Joseane Pereira – do blog Aventuras na História – da UOL).

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