Pirata
Sou o único homem a bordo do meu barco.
Os outros são monstros que não falam,
Tigres e ursos que amarrei aos remos,
E o meu desprezo reina sobre o mar.
Gosto de uivar no vento com os mastros
E de me abrir na brisa com as velas,
E há momentos que são quase esquecimento
Numa doçura imensa de regresso.
A minha pátria é onde o vento passa,
A minha amada é onde os roseirais dão flor,
O meu desejo é o rastro que ficou das aves,
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.
Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei
Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso
Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo
Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento
Terror de te amar
Terror de te amar
num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Sophia de Mello Breyner nasce a 6 de novembro 1919 no Porto, onde passa a infância. Entre 1936 e 1939 estuda Filologia Clássica na Universidade de Lisboa. Publica os primeiros versos em 1940, nos Cadernos de Poesia. Casada com Francisco Sousa Tavares, passa a viver em Lisboa. Tem cinco filhos. Participa ativamente na oposição ao Estado Novo e é eleita, depois do 25 de Abril, deputada àAssembleia Constituinte.
Autora de catorze livros de poesia, publicados entre 1944 e 1997, escreve também contos, histórias para crianças, artigos, ensaios e teatro. Traduz Eurípedes, Shakespeare, Claudel, Dante e, para o francês, alguns poetas portugueses. Recebeu entre outros, o Prémio Camões 1999, o Prémio Poesia Max Jacob 2001 e o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana.
Foi a primeira vez que um português venceu este prestigiado galardão, que, para além do valor pecuniário de 42 070 euros, significa ainda a edição de uma antologia bilingue (português-castelhano), o que levará a autora a um vastíssimo público que cobre os países latino-americanos. Com uma linguagem poética quase transparente e íntima, ao mesmo tempo ancorada nos antigos mitos clássicos, Sophia evoca nos seus versos os objetos, as coisas, os seres, os tempos, os mares, os dias. A sua obra, várias vezes premiada está traduzida em várias línguas.
Sophia de Mello Breyner Andresen faleceu a 2 de julho de 2004, em Lisboa, e o seu corpo foi trasladado para o Panteão Nacional precisamente a 2 de julho de 2014, 10 anos após o seu falecimento.
A fonte da biografia é a Porto Editora