Porque vivemos em uma sociedade angustiada, infeliz e depressiva?

“Ser feliz” tem sido um imperativo do nosso tempo. Somos seduzidos diariamente por promessas de felicidade, seja em objetos de desejo, estilos de vida, seja em metas a serem alcançadas. Vivemos em uma época de muitas possibilidades de escolhas. Ao mesmo tempo, que podemos buscar o que acreditamos que nos faria feliz, nunca nos deparamos tanto com a depressão ou infelicidade.

O que de fato nos deixa feliz? Sabemos o que queremos? Liberdade seria condição para felicidade?

O professor Leandro Karnal em sua palestra “A vida que vale a pena ser vivida em tempos líquidos” – disserta acerca da felicidade e ressalta que:

“É muito difícil estabelecer o mal e o bem. É melhor ou pior a liberdade que temos hoje? A liberdade implica angústia, porque traz a responsabilidade da escolha. Então, aí, o grande mal da humanidade eu penso que seria que nós nunca fomos tão livres, nunca tivemos tantas chances de fazer o que queremos e nunca fomos tão infelizes, tão tomadores de Prozac, tão perdidos, tão ansiosos por dicas de bem-viver porque nós não estamos tolerando esse espaço todo da liberdade e temos uma saudade imensa das gaiolas do passado. Eu diria que o homem submetido às forças autoritárias do passado era um homem notavelmente mais entusiasmado pela vida do que o homem atual. A liberdade está se tornando cansativa para as pessoas. Não haver tantas normas está fazendo com que cada um se reinvente e a maior parte de nós tem horror à essa liberdade.

O Butão é o país mais feliz do mundo, provavelmente por que oferece poucas condições das pessoas desejarem muito. E desejar muito é um elemento importante para a infelicidade. Os budistas consideram que a vontade de ser feliz causa infelicidade. Para o budismo, o ‘eu’ se apega ao que é prazeroso e o ‘eu’ quer essa tradição de felicidade. (…). Quando eu era mais jovem, e o dinheiro era escasso, eu me divertia mais. Hoje que eu estou mais estável e mais velho, eu não quero me divertir. Ou seja, me torno econômico por força da idade e passo a não desejar mais coisas. Eu já fui para Europa aos dezoito anos sem fazer reserva em hotéis. Hoje eu não vou à praia sem uma planilha Excel com tudo acertado. Porque envelhecer é ficar mais prudente, ou seja, covarde: eu tenho medo de tudo. Segundo os budistas, esse apego à felicidade traz a infelicidade e cada alegria gera uma nova angústia… cada novo carro que eu compro, eu tenho mais um desejo de ter um carro melhor, cada novo apartamento vai me gerar um desejo de um maior, cada nova conquista me faz desejar mais. Segundo os budistas nós não somos felizes porque desejamos incessantemente e nós temos que cortar o elo do desejo.

Para os budistas, a impermanência é a chave do universo. Tudo passa. Tudo é absolutamente passageiro. Nada me pertence, nada é meu. Tudo é etéreo, tudo vai desaparecer e o desapego é a norma. Eu tenho que pensar permanente no desapego para ser feliz. Eu tenho que comprar um copo e já imaginar que ele vai quebrar. Eu tenho que dizer que ele vai me servir uma, duas, dez, cem vezes… ele vai me servir esse número de vezes e depois vai desaparecer. Ele terá cumprido um papel. Eu tenho que me desapegar de todas às coisas como os budistas do Tibete. Eles levam dois anos para fazer uma mandala artística e ao final, desmancha: desapego. Desapego absoluto. Tudo passa. Desapego é a margem para eu ser feliz”. Leandro Karnal

Transcrição Portal Raízes

Leandro Karnal é professor de História na Unicamp. Um dos intelectuais mais disputados da atualidade. Ele alia conhecimento com um humor irônico e traz pensamentos muitas vezes polêmicos, com grande repercussão midiática






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